Brasília – O relatório Todas as Crianças na Escola em 2015 –
Iniciativa Global pelas Crianças Fora da Escola, divulgado nesta sexta
(31) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), alerta para a
persistência do trabalho infantil entre as crianças em idade escolar, o
que prejudica o direito dessa população à educação.
De acordo com o levantamento, 638 mil crianças entre 5 e 14 anos
estão nessa situação, apesar de a legislação brasileira proibir o
trabalho para menores de 16 anos. O grupo representa 1,3% da população
nessa faixa etária, mas para o fundo não pode ser desconsiderado porque o
trabalho infantil é uma “causa significativa” do abandono escolar.
Segundo o secretário de Educação Básica do Ministério da Educação
(MEC), César Callegari, o estudo do Unicef traz uma fotografia
importante dos desafios que o Brasil tem pela frente: garantir a
educação para todas as crianças e jovens brasileiros, incluindo não só
essa parcela da população, mas favorecendo sua permanência na escola.
Ele ressaltou, no entanto, que o país conquistou avanços significativos
principalmente na última década.
"Se olharmos não apenas a fotografia, mas o filme dos últimos anos,
veremos que o Brasil conseguiu incluir nos últimos 12 anos mais de 5
milhões de crianças e jovens que estavam fora da escola. Tínhamos 8,7
milhões, entre 4 e 17 anos, nessa situação em 1997 e agora são 3,69
milhões", disse Callegari. Ele citou a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (Fundeb) como um dos mecanismos mais importantes para esse
avanço, ao viabilizar "recursos firmes e mensais" para que cada
município e estado garanta a matrícula de crianças na pré-escola e de
jovens no ensino médio.
Estudos mostram que os índices de trabalho infantil caíram nas
últimas décadas, mas ficaram estagnados nos últimos cinco anos. O
levantamento do Unicef inclui tanto crianças e jovens que desenvolvem
atividades econômicas, quanto aqueles que se ocupam de serviços
domésticos com duração superior a 28 horas semanais. A coordenadora do
Programa de Educação do Unicef no Brasil, Maria de Salete Silva, vai
detalhar o estudo em entrevista ao jornal Repórter Brasil, que vai ao ar
hoje, às 21h, na TV Brasil.
Para ela, o momento econômico que o Brasil vive tem feito crescer o
número de meninos e meninas responsáveis pelas tarefas do lar. “Quando
temos uma situação de oferta de emprego grande, isso pode acarretar
aumento do trabalho infantil doméstico para as meninas, que substituem a
mãe que foi para o mercado de trabalho. Essas meninas ficam com a
responsabilidade de cuidar dos irmãos, lavar louça, arrumar a casa”,
explica Salete.
Para a representante do Unicef, uma das principais barreiras para
superar essas práticas é cultural. Em muitas famílias, o trabalho desde a
infância é considerado normal e importante para o desenvolvimento. Além
das tarefas do lar, outro “nicho” do trabalho infantil está na zona
rural, onde logo cedo jovens ajudam a família no trabalho do campo.
“O trabalho agora é localizar essas famílias e entender o que leva
aquela criança a trabalhar e o que pode ser feito para convencer a
família de que aquele trabalho não é adequado”, aponta Salete. A questão
socioeconômica também tem grande peso no ingresso precoce no mercado de
trabalho. O relatório mostra que mais de 40% das crianças de 6 a 10
anos, de famílias com renda familiar per capita até um quarto de salário
mínimo, trabalham. Esse percentual cai para 1,2% no grupo de famílias
com renda superior a dois salários mínimos por pessoa.
Do total de crianças de 5 a 14 anos que trabalham, 93% estudam. O
relatório mostra o trabalho infantil como uma grande barreira tanto para
as crianças que estão fora do sistema de ensino, quanto para aquelas
que frequentam a escola. Mesmo quem está regularmente matriculado terá o
desempenho escolar prejudicado pelas outras tarefas que desempenha.
“Essa questão interfere de fato na qualidade do ensino, já que a
criança que trabalha tem menos condição de aprendizagem porque fica
cansada e desatenta. E se ela não está na escola, dificilmente vai
largar o trabalho para estudar”, ressalta Salete.
De acordo com o relatório, 375.177 crianças na faixa de 6 a 10 anos
estão fora da escola – o que corresponde a 2,3% do total dessa faixa
etária. Dessas, 3.453 trabalham (0,9%) e, nesse grupo, a maioria é negra
(93%). O número de crianças de 11 a 14 anos que só trabalham é cerca de
20 vezes maior que na faixa anterior: 68.289.
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