*Gazeta do Oeste
Mário Gerson
O andar firme entre os transeuntes, o olhar sereno na tarde amena da
capital… Passada a porta de vidro da Livraria Nobel, nas proximidades de
um grande shopping, a poetisa conduz seu livro. Deixará, pela primeira
vez, para ser exposto. Fez o lançamento no início do ano e divulga sua
obra, na timidez comum dos bons poetas, sem alarde.
Obra que recebeu, mesmo sem necessitar, a chancela de alguns críticos
e a leitura atenta de muitos outros. Jovem, com pouco mais de vinte
anos, Nassary Lee, a paraense que se instalou na capital, escreve com a
intensidade dos que já, há anos, batalham no ofício, mas sem nunca
perder a ternura inicial, pois que todo poeta é, eternamente, um
aprendiz de seus versos.
Na porta da livraria, alguém a reconhece. Cleudivan Jânio de Araújo,
da CJA, que vem a ser sua editora com suas iniciais, sorri ao aceno.
Sobre a mesa, os livros que serão deixados, sob consignação, para venda.
A autora é uma das pratas da editora.
Sorridente, serena, simpática
(três “s” necessários), Nassary, que tem aparência árabe com um tom
indiano, fala sobre seus poemas. Entre uma xícara de café e outra, entre
um sorriso e outro, entre um copo com água e outro (e vamos acabar com
os outros, pois que poderão complicar esta reportagem), ela aponta o
livro e, com grande satisfação, faz menção do prefácio de Vicente
Serejo… “Fiquei sem palavras!”, destaca, quando se refere ao pequeno e
agradável ensaio. “Um poeta nunca deve perder suas palavras…”. Nassary
sorri e, mais uma vez, abre o livro. Livro chamativo: Entre becos e
sonhos é o seu título, em letras vazadas de branco, sob uma cor violeta e
uma arte que se mistura à poesia da obra.
A poesia veio, em sua vida, naturalmente. Desde pequena, escreve
versos. “Meu pai viajava muito e minha mãe ficava preocupada em
perdermos o ano escolar. Nesse tempo, comecei a escrever. Tive a
oportunidade de conhecer todo o Norte e Nordeste. Comecei, em poesia,
entre os dez ou 11 anos… Na escola, as professoras tinham esse cuidado
de reunir meus versos e datilografá-los. Eu ficava com um pouco de
receio, mas encarava naturalmente”, fala a poetisa, segurando, em uma
das mãos, sua obra inicial.
Segundo ela, na verdade, o projeto de lançar o primeiro livro começou
a partir de Cleudivan Jânio, que reuniu seus versos em um trabalho.
“Foi uma surpresa, por exemplo, ganhar o concurso da livraria, na UFRN,
que foi um divisor de águas. A partir de então, comecei a participar de
outros prêmios e fui ganhando, aos poucos, alguns deles e sendo
selecionada para antologias. Esse momento foi bastante importante, no
sentido de que conheci outros estilos e meus amigos me incentivavam a
publicar. Em especial, em um determinado dia, um amigo me pediu os
poemas. Levei 70 e eles foram aprovados, depois que mostrei a alguns
colegas”, diz.
Na mesa alta, o salto se destacando na paisagem comum dos livros,
Nassary sorri discretamente ao falar da própria obra. “A princípio, meu
livro seria independente, mas as coisas foram acontecendo. Não sabia o
que fazer com aqueles versos, porém, tudo foi se encaixando. Por fim,
depois de três capas e duas diagramações, o livro ficou pronto. Quando
conheci Thiago Gonzaga, tive acesso a Cleudivan Jânio, hoje meu editor
e, desde então, tudo vem dando certo e lançamos, no início do ano, o
Entre becos e sonhos”, fala.
A EDITORA
E A POESIA
A poesia de Lee, de acordo com seu editor, “é uma grata surpresa para
todos nós. Destaco, em minha editora, com 40 obras publicadas, dois
autores: Nassary Lee e Bruno Soares, que lançaram recentemente conosco”,
fala Cleudivan.
De acordo com ele, as tiragens da editora variam. “Trabalhamos com a
demanda do autor. A partir de 100 exemplares, a editora já publica o
escritor”, explica, salientando que o livro, em todos os aspectos, é
acompanhado seriamente pela editora. “Fiz trezentos livros e achava que
seria o ideal. A procura, no entanto, ainda é tímida”, diz Nassary. “Não
por falta de divulgação. É que não vemos, hoje, uma maior procura do
leitor por autores. Isso é quase generalizado. A leitura, no Estado,
sofre neste momento”, comenta Lee.
Para Cleudivan Jânio, o trabalho literário no RN tem mérito. “Mas as
grandes livrarias não apoiam nem mesmo que os livros dos autores do
Estado estejam dentro desses lugares. Eles vendem hoje porque é uma lei
municipal para que existam livros de escritores potiguares nessas
grandes livrarias”, frisa.
‘A publicação, hoje, é algo muito mais fácil’
Com o avanço da tecnologia, hoje alguns autores já trabalham com o
e-book. “A sociedade de hoje é extremamente autoral e os escritores já
partem para as novas tecnologias, dentro de uma sociedade ainda mais
midiática”, explica Nassary Lee, sem perder a ternura de declarar que,
em meio à grande tecnologia, a poesia faz parte de sua vida. “Sempre vi a
vida e as coisas com poesia. Muitos poetas falam em dom… sinto que
nasci com algo assim, algo diferente, algo que não se aprende na escola,
algo que se aprende com o sentir”, fala.
Por outro lado, apesar das dificuldades, Nassary reforça outro
aspecto “da vida literária”. “Há muita gente escrevendo. Até mesmo em
lugares impensáveis, vemos pessoas dizendo que vão lançar um livro ou
que estão trabalhando em algum projeto que envolva a literatura. A
publicação, hoje, é algo muito mais fácil”, destaca.
CRÍTICA
Para Vicente Serejo, que fez o prefácio à obra da poetisa, “a poesia
de Nassary Lee não cabe no olhar vago e circunstante do leitor temeroso
de tentar a caminhada para sua descoberta. De morder esse pão em forma
de versos fermentando nas mãos de uma jovem poetisa (…) Os que procuram
rimas hão de dizer que seus poemas são modernos e por isso são meros
jogos de palavras. Como se as palavras não fossem as pedras do jogo da
criação. Muito mais no seu caso, a ferir a candura da alma feminina
descarnada de tudo”.
Ele salienta que “é como se a poesia de Nassary Lee tivesse aquele
claro enigma drummondiano, entre o lobo e o cão. Feita de coisas
figuradas e não-figuradas. Aparentemente reais e irreais, mas,
sobretudo, de adornos que são verdadeiras iluminuras numa bem-urdida
renascença poética. Leitora de Umberco Eco, ela acredita e tenta com o
destemor de quem não teme entregar ao leitor em múltiplas escolhas o que
deseja dizer. Vencedora de vários concursos literários, e com poemas já
incluídos em antologias nacionais, Nassary Lee chega ao seu primeiro
livro sem fazer da poesia uma máquina de rimar. Chega com as credenciais
de uma verdadeira poetisa. Poetizando. Com a chama encantada dos seus
versos, a faca e a lâmina luzindo nos becos e nos sonhos de uma grande
poesia”.
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