Crônica Publicada em 07 de Julho de 1982 - Jornal do Brasil
Sobre a eliminação da Seleção Brasileira
Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo
perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos
verde-amarelos que até minutos antes eram sagrados; vi bêbados
inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam consolo na bebida;
vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de festejar
qualquer coisa, pois seus corações estavam programados para a alegria;
vi o técnico incansável e teimoso da Seleção xingado de bandido e
queimado vivo sob a aparência de um boneco, enquanto o jogador que
errara muitas vezes ao chutar em gol era declarado o último dos
traidores da pátria; vi a notícia do suicida do Ceará e dos mortos do
coração por motivo do fracasso esportivo; vi a dor dissolvida em uísque
escocês da classe média alta e o surdo clamor de desespero dos
pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o gênero das palavras,
acusando a mina de pé-fria; vi a decepção controlada do presidente, que
se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande
momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas
desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos
por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha
eleitoral; vi as oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade
diante da catástrofe que levará talvez o povo a se desencantar de tudo,
inclusive das eleições; vi a aflição dos produtores e vendedores de
bandeirinhas, flâmulas e símbolos diversos do esperado e exigido título
de campeões do mundo pela quarta vez, e já agora destinados à ironia do
lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza pública e dos faxineiros
de edifícios, removendo os destroços da esperança; vi tanta coisa, senti
tanta coisa nas almas…
Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos
preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é
afinal instrumento de renovação da vida. Tanto quanto a vitória
estabelece o jogo dialético que constitui o próprio modo de estar no
mundo. Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão
constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das
vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o
indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos:
começar de novo.
Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do
Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado
infalível? Não é mais sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até
mesmo ao absurdo, um poder de transformação das coisas, capaz de anular
os cálculos mais científicos? Se a Seleção fosse à Espanha, terra de
castelos míticos, apenas para pegar o caneco e trazê-lo na mala, como
propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso?
Na realidade, nós fomos lá pelo gosto do incerto, do difícil, da
fantasia e do risco, e não para recolher um objeto roubado. A verdade é
que não voltamos de mãos vazias porque não trouxemos a taça. Trouxemos
alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito de competição.
Suplantamos quatro seleções igualmente ambiciosas e perdemos para a
quinta. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio
futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos
contemplou. Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que
foi apenas uma experiência, como tantas outras, da volubilidade das
coisas.
Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou
adquirimos, na maioria das cabeças, o senso da moderação, do real
contraditório, mas rico de possibilidades, a verdadeira dimensão da
vida. Não somos invencíveis. Também não somos uns pobres diabos que
jamais atingirão a grandeza, este valor tão relativo, com tendência a
evaporar-se. Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana e de
seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o
viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras
seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o
compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas!
Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não
acabou.
Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o
sol de nós todos.
E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?
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