quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O FASCÍNIO DO PODER por Mia Couto

Ser político ou ser da política representou no nosso país, durante muitos anos, um risco de peso. A canção da velha Xica, do angolano Waldemar Basto, é bem representativa desses perigos: “xê, menino, não fala política…!”
Os que se ofereciam para lutar pela causa da independência (a causa política por excelência, na altura) faziam-no, avaliando as consequências para si mesmo e para a família. Não havia vantagem nessa disponibilidade em ser-se político. Apenas sacrifício.
Aliás, ninguém se oferecia para ser “político”. Os militantes nacionalistas entregavam-se não à política em si, mas a uma missão que era a libertação do seu país. O sentido de entrega e de missão comandavam essa opção. Ser-se “político”, era uma implicação posterior, alheia à vontade do militante.
Numa palavra, a ligação com a política era apenas um corolário de uma atitude nobre e generosa: a de servir os outros. Não importa aqui questionar a justeza das definições políticas desse movimento. Falo, sim, da adesão pessoal, da superação dos interesses pessoais e da sua subordinação a interesses públicos.
Sucedeu conosco o que sucedeu com todas as outras nações. A política deixou de ser uma consequência dessa entrega generosa, dessa abdicação de si mesmo. Passou a ser um trampolim para interesses pessoais. Passou a ser um emprego, um negócio, uma fonte de poder e de acesso a mais poder. A política justifica-se a si mesma, nasce e morre no seu próprio ninho.
Não quero simplificar, nem cair no discurso passadista. Haverá, entre os que hoje se entregam à política, ideias de altruísmo como houve no passado. Haverá gente boa pensando, sobretudo, no bem-estar dos outros. Haverá os que se tornam políticos para servir o país e o povo. E esses bons homens e boas mulheres fazem tanta falta como fizeram, antes, os militantes da independência.
O que me parece extraordinário é o interesse que gera a promoção política. O fascínio pelo poder: é isso que creio que deveríamos repensar
A política, disse alguém, é arte de nos fazer esquecer daquilo que é realmente importante. Isso já é triste. Mas pode ser ainda mais grave: em nome da política, estarmos a fomentar um monstruoso apetite pelo poder. O poder como um fim em si. O poder, no lugar da política.

Mia Couto é escritor Moçambicano.

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