Xingu, mais recente filme do diretor paulistano Cao Hamburguer (de “Castelo Rá-Tim-Bum” e “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”), exige do espectador mais cético uma certa dose de paciência. A princípio, a história apela para a aura de heroísmo que historicamente foi atribuída aos irmãos Villas-Bôas – dois dos quais, Cláudio e Orlando, foram indicados ao prêmio Nobel da Paz pelo trabalho que resultou na criação do Parque Nacional do Xingu e na implantação de uma política indigenista totalmente nova lá por meados do século passado. Pois o filme começa com uma cena um tanto inverossímil em que os irmãos Cláudio e Leonardo se disfarçam de “peões” analfabetos para conseguir suas vagas na expedição Roncador-Xingu.
Com a evolução do trabalho deles na expedição, contudo, o filme engata. O deslumbramento causado pelas locações – não há uma cena sequer do sertanistas na expedição feita em estúdio – contribui para situar o espectador naquilo que talvez tenha sido a mais corajosa e ousada marcha para o interior do Brasil depois das excursões dos bandeirantes. Para se ter uma ideia, Cao Hamburger começou seu trabalho de pesquisa de locações, entrevistas e preparaçao de atores (grande parte deles, índios) três anos antes do início das filmagens.
Do ponto de vista narrativo, além do perigo de cair em desgraça ao retratar personagens tidos como pioneiros pela etnografia, o diretor ainda tinha outra dificuldade: abordar uma expedição que se estendeu por 40 anos (em um filme de duas horas), exigiu que fossem cortadas passagens importantes dos relatadas pelos Villas-Bôas no livro Marcha para o Oeste, em que o filme se baseou.
O diretor, no entanto, superou as dificuldades com uma abordagem pouco utilizada no recente cinema nacional: o desnudamento de personagens midiaticamente endeusados resultou na exposição de pessoas comuns, cheias de falhas e até ingênuas, apesar de corajosas. No filme há, implícito, o reconhecimento das consequências desastrosas das falhas. Mas há, também, a constatação de que sem o espírito de eventura e deslumbramento dos irmãos – que redundaram naquela maldita aura de heroísmo – pouco teria sobrado de um sem-número de nações indígenas aé hoje preservadas pela alma sensível e capacidade de agir dos Villas-Bôas.
Preciso dizer, por outro lado, que há defeitos no filme característicos do cinema nacional. O som direto que disputa com a trilha musical é um deles. Mas se é possível traçar um paralelo entre “Xingu” e outra obra recente da cinematografia brasileira, a primazia cabe, ironicamente, ao filme anterior de Hamburger, “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”. Como neste último, o filme sobre os irmãos Villas-Bôas soube retratar, por vias pouco ortodoxas, um tempo que muitos outros já o fizeram utilizando maneirismos; e colocou seus protagonistas não para dialogarem, mas para conduzirem o espectador pela realidade que enfrentaram.
Fonte:Tribuna do Norte.
Tatiana Lima-Papo Cine
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