domingo, 27 de março de 2016

DR. LACY XAVIER: UMA HISTÓRIA DE VIDA

Bela e preservada casa do sítio Ponta da Serra, tendo ao fundo uma parte da Serra de Martins. Mantida em grande parte original é um dos locais mais interessantes que se mantém preservado no trajeto do ataque do bando de Lampião ao Rio Grande do Norte – Foto – Rivanildo Alexandrino. 

A FAZENDA 
Localizada hoje no município de Serrinha dos Pintos, a casa era uma das mais pomposas e mostrava a riqueza da época. 


Sua construção data do início do século XX chama a atenção pela imponência em meio a casas tão singelas e, segundo informações apuradas, o local está mantido em grande parte original. Outro fator extremamente positivo em relação a esta local se refere à própria beleza paisagística do ponto onde a mesma foi edificada. Defronte a antiga casa existe o açude Ponta da Serra e uma elevação denominada Serra do Macapá, com quase 500 metros de altitude. 

Dr. Francisco Xavier de Lucena, conhecido na cidade serrana de Martins como Dr. Lacy,, quando entrevistado em 2010 – Foto Junior Marcelino. 

Segundo o médico aposentado Francisco Xavier de Lucena, conhecido na cidade serrana de Martins como “Dr. Lacy”, esta residência era em sua opinião “-A mais original do todas as que existem no pé da Serra de Martins”. 


Em 2010, apesar de um relativo problema de surdez, encontrei na cidade de Martins o Dr. Lacy muito ativo e lúcido e o nosso encontro se deu através do apoio do amigo Junior Marcelino. 


A PASSAGEM DE LAMPIÃO 
O Dr. Lacy nasceu no dia 15 de julho de 1917, tinha quase dez anos de idade na época da passagem do bando de cangaceiros de Lampião pela região e comentou que na ocasião o seu pai, João Xavier da Cunha, era cunhado e trabalhava para o então proprietário do sítio Ponta da Serra, João Frutuoso da Silva. 

Este se encontrava com a sua família na propriedade, quando recebeu o aviso da chegada de Lampião através de uma senhora chamada Idalina, o já famoso “Corre que Lampião vem aí!”. Esta senhora vivia em um sítio próximo denominado Tabuleiro de Areia. 


Logo a esposa de João Frutuoso, dona Alexandrina, buscou guardar objetos de importância para serem transportadas em dois tradicionais caçuás. Estes são uma espécie de saco de grandes dimensões, feito de couro de boi, montados em uma cangalha no lombo de um jumento. Este animal foi conduzido por um trabalhador da fazenda, enquanto a família seguiria para a cidade de Martins em um veículo Ford de três marchas. 


Dr. Lacy relata que na cidade de Martins havia certo número de soldados e pessoas do lugar armadas, sendo levados para piquetes organizados nas ladeiras da região, para assim resistir contra alguma investida do bando. Na opinião do Dr. Lacy, mesmo com muitos moradores buscando refúgio no mato e o clima de medo reinante, a situação não desbancou para uma fuga desesperada naquela urbe, houve certa ordem em Martins. 


Seu pai João Xavier, assim que soube da aproximação do bando, mandou um irmão chamado Manuel Galdino seguir da cidade e ajudar João Frutuoso na propriedade. O motorista devia descer pela ladeira que seguia pelos sítios Comissário e Vertentes. Este caminho rústico, feito em 1915 por uma firma inglesa que construía o açude do Corredor, não era nada fácil de ser trafegado naqueles rústicos veículos, pois possuía muitas curvas nos contrafortes da Serra de Martins. Mesmo assim o motorista partiu. 


Ao chegar ao sítio Ponta da Serra, Galdino encontrou seus tios e seu primo João Batista da Silva, tratando de sair do local. Em meio a toda confusão associada ao medo, ele rapidamente deu meia volta no veículo e partiu. Acabou deixando de transportar as três empregadas da casa, que ficaram desesperadas e desorientadas. Coisa mesmo de verdadeira comedia pastelão em meio ao caos. 

Catinga da Mistura de Perfume Barato, Suor e Cachaça 
Segundo Dr. Lacy, foi por muito pouco que os membros da família não foram capturados, pois logo após a saída dos veículos o bando a galope chegou. Ríspida e rapidamente os bandoleiros invadiram todas as dependências da casa, onde arrombaram gavetas, malas e quebraram utensílios. 

Defronte a casa grande do Sítio Ponta da Serra, esta é a visão que temos. O Açude Ponta da Serra e a Serra do Macapá – Foto – Rostand Medeiros 

Defronte a casa existia um comércio que era tocado pelo filho de Frutuoso, logo este lugar foi arrombado, sendo consumidas as bebidas do estoque e várias mercadorias foram roubadas ou depredadas. 


Na casa os cangaceiros, aquecidos pelo álcool, fizeram as três empregadas passarem por apertos. Devido o rápido retorno do veículo de Galdino e da chegada dos celerados na sequência, elas não tiveram tempo de fugir para os matos. Mas o pior foi evitado devido ao chamado de Lampião para que deixassem as mulheres em paz. O próprio chefe comunicou às empregadas que se houvesse capturado Frutuoso, ele só seria libertado mediante o pagamento de quarenta contos de réis, verdadeira fortuna para época, demonstrando o poder econômico do proprietário do lugar. 

Na casa os cangaceiros mexeram em uma grande e pesada mesa de madeira, quebrando as gavetas que nela existiam. Em um fogão de ferro fundido, fabricado na Inglaterra, os cangaceiros buscavam avidamente comida, mas nada encontraram. A mesa e o fogão continuam na Ponta da Serra marcando a passagem dos cangaceiros.

Enquanto o saque prosseguia foi capturado o agricultor Francisco Dias, do sítio Corredor, propriedade existente mais adiante. Perguntado qual a próxima propriedade na sequencia da vereda existente comentou ser a Morcego, a um quilômetro de distância, cujo dono era Manoel Raulino. Rapidamente Francisco Dias foi “promovido”, mesmo a contra gosto, a função de guia dos bandoleiros. 


Tão violentamente e rápido como chegaram, satisfeitos com o butim, Lampião ordenou que a cabroeira seguisse adiante.

Rostand Medeiros e o Dr. Lacy na cidade de Martins, 2010 – Foto – Junior Marcelino. 
Logo aquele troço de uns 60 e tantos homens montaram em seus corcéis sertanejos e partiram. Seguiram altivos, coroados pelos seus chapéus de couro, transportando vistosamente suas armas, gritando, assoviando, proferindo palavrões, estalando chicotes e deixando no ar a catinga da mistura de perfume barato, suor e cachaça. 


Varias outras propriedades foram assaltados, roubos aconteceram, destruições ocorreram, sequestros e mortes. Mas no dia 13 de junho de 1927 o povo de Mossoró resistiu galhardamente e Lampião e seus cangaceiros foram vencidos e fugiram sem conquistar a “Capital do Oeste”. 


Hoje quase ninguém que viveu aquela época está neste plano para dar depoimentos, mas locais como o sítio Ponta da Serra são testemunhos daqueles dias incertos e devem ser preservados. 

Defronte a casa da Ponta da Serra em abril de 2014, com os amigos Silvio Coutinho e Rivanildo Alexandrino. 

As Histórias de Vida de Médico da Época: 
- Conta Dr. Lacy que nas enchentes em anos bons de inverno, teve uma vez de atender a uma paciente tendo pegado soros aqui na vila e cruzado o rio cheio com os soros todos amarrados uns aos outros com cordão. Se fosse hoje daria com certeza uma infecção grande. Mas Deus protegia na época os inocentes. 


- Em outra oportunidade, precisava de luz para fazer um parto e para isso tiveram de abrir um buraco na parede do quarto e ligado a luz do jeep para que pudesse concluir o procedimento. 


- Dizem também que Dr Lacy que gostava de tomar umas e outras, certa vez no caminho de Martins, ao parar em uma casa para consultar um doente, esse ao sentir a pulsação do paciente, errou e estava contando a freqüência dele, e aí foi um problema quando Dr Lacy disse: Você ta é bêbado. Ao que o paciente retrucou: Dr Lacy o Sr está pegando no seu pulso e não no meu. 


- Após ser derrotado em uma ultima campanha na década de 60 em Martins para Prefeito, Dr Lacy montou seu consultório particular e fez questão de colocar uma plaquinha: Não sou mais político, consulta só se for pagando. 


Fonte:Blog Dr. Lucídio

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