Por: Sofia Moutinho
Instituto Ciência Hoje
Maior pesquisa já feita
sobre gestações no Brasil revela que 52% dos nascimentos se dão por
cesariana. O estudo expõe um modelo de atendimento médico excessivamente
intervencionista e que não leva em conta o bem-estar da mãe e do bebê.
Cesarianas e procedimentos médicos desnecessários e de risco são a
realidade cotidiana dos partos no Brasil. A situação vivenciada por
mulheres em todo o país e já denunciada por muitos pesquisadores e profissionais de saúde volta à cena agora com a divulgação da pesquisa Nascer no Brasil,
coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz e que traz o maior levantamento
já feito sobre gestações e nascimentos em território nacional.
O estudo, que durante um ano ouviu 23.984 mulheres de 191 cidades do
país que tiveram seus filhos em hospitais de médio e grande porte da
rede pública e privada de saúde, traz números alarmantes. A cesariana,
um procedimento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
apenas para partos de risco, é quase regra no Brasil: 52% dos
nascimentos são realizados com essa cirurgia, quando a taxa considerada
aceitável é 15% (mais de três vezes menor).
“Não existe justificativa clínica para um número tão alto de
cesarianas; estamos falando de gravidezes normais, apenas 25% das
entrevistadas apresentaram algum risco durante a gestação,” comenta a
coordenadora do estudo, a médica Maria do Carmo Leal. “Essas mulheres
estão sendo expostas a riscos e o sistema de saúde está tendo gastos
desnecessários devido a uma cultura médica que prioriza esse tipo de
parto.”
A pesquisadora aponta que a cesariana deve ser a última opção, pois
pode trazer danos ao bebê e à mãe. “Nos últimos sete anos, estudos têm
demonstrado que a cesariana está associada a um risco maior de morte
durante o parto, além de ser um fator para o desenvolvimento de doenças
como o diabetes e a asma no bebê e de privar a criança, no momento do
nascimento, do contato com a flora bacteriana vaginal e intestinal da
mãe, que garante o fortalecimento do seu sistema imune”, diz.
A cesariana pode ainda prejudicar gestações posteriores por deixar
uma cicatriz no útero que pode dificultar a fixação do óvulo fecundado e
interferir no desenvolvimento da placenta.
Para outra autora do estudo, a médica Silvana Granado, a escolha
médica pelas cesarianas pode ser explicada por questões práticas que nem
sempre levam em consideração o melhor para a gestante.
“Os médicos priorizam a cesariana porque assim conseguem fazer mais
partos em menos tempo”, comenta. “Em vez de gastar 12 horas acompanhado
um só parto normal, eles ficam livres para agendar vários. Em muitos
hospitais de interior que visitamos existia, inclusive, o chamado ‘dia
da cesárea’, que era quando o médico aparecia e marcava todos os partos
da cidade.”
A pesquisa mostra que, na rede privada, o número de cesarianas é
ainda maior, chegando a 88% dos nascimentos, contra 40% no sistema
público. Para Granado, a diferença se deve, entre vários fatores, à
fidelização das gestantes a um único médico que acompanha a gestação
desde o início.
“É comum que esse médico marque a cesariana de acordo com a sua
agenda e para sua comodidade e que a mulher aceite para poder ter o
filho com aquele profissional específico que conhece todo o seu
histórico”, ressalta.
Granado observa que no sistema de saúde público, a gestante não fica
tão presa ao médico, pois recebe uma cartilha com todas as informações
do acompanhamento pré-natal, de forma que qualquer médico disponível no
momento do nascimento pode se atualizar sobre a situação e fazer o
parto. “O ideal é que o médico saiba que ele não é o dono de nenhuma
grávida e que as mulheres se conscientizem de que podem parir quando o
bebê quiser, com qualquer profissional que esteja trabalhando no
momento”, pontua.
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