domingo, 12 de novembro de 2017

O AMOR NARRADO... Napoleão de Paiva

Os amantes falam-se aos ouvidos.
Palavras baralham sons, recriam-se
E revolteiam os ares como sussurros
Na impaciência da quase posse

As palavras fazem amor.
Pedaços de nomes, versos inteiros
Feitos trilha sonora (ou utensílio amoroso)
Excitam mais que a carne?

Uma a uma instilam veneno na presa
Ou seria sentimento, tesão, mentira pura?
Impossível, no derretimento das horas,
Adivinhar de onde o peso bruto do desejo

Os amantes encantam-se com palavras
Ditas rápido ou compassadamente
E amolecem, riem-se cúmplices
Do que é capaz a íntima sonoridade

Mais que outros, são escravos verbais
Resistem não ao seu tropel arrebatador
E deitam-se, abandonam-se submissos
À doce caravana que lhes cravam nomes

Em pouco, fora de si, soletram desinibidos
O que guardado a sete cadeados: labirintos
silenciados, obsessões impronunciadas,
Que imaginavam jamais revelar

O prazer do verbo a devassar o que restou
Do pudor e suas portas (onde não chega
Réstia de sol nem a prata dormida da lua)
Surpreende-os tendidos na manhã nascente.

*Ilustração: Blade Runner 2049

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