sábado, 12 de abril de 2014

CULT: VALESCA POPOZUDA

Barriguda News
Marcia Tiburi/Revista Cult

Não será possível entender o fenômeno Valesca Popozuda, nossa Madonna tupiniquim, um dos mais curiosos da indústria cultural brasileira contemporânea, sem perceber a função que um ídolo tem em seu tempo. Carmen Miranda, Elis Regina, Ayrton Senna, para falar de personagens reais de nossa cultura, todos tiveram um lugar importante em seu tempo. Todos simbolizaram algo essencial para quem os amava ou odiava.

O ditado popular que reza que “cada povo tem o político que merece” é verdadeiro se pensarmos na identificação que leva à eleição de um político. O correspondente no campo estético, “cada povo tem o ídolo que merece”, explica a relação de espelhamento que as massas, que criam o ídolo, têm com ele. No desfile dos ídolos, Valesca Popozuda é candidata ao topo de qualquer podium. Nenhuma das divas da indústria cultural tem o poder de Valesca, embora – pelo menos por enquanto – as outras (Sangalo, Claudia Leitte etc.) tenham rendido bem mais do que ela em termos financeiros. O poder de Valesca Popozuda vai além. É o poder do que podemos chamar de hiperidentificação. Transitando entre ricos e pobres, exótica e engraçada para uns, ousada e livre para outros, Valesca agrada à grande maioria. Bem cuidada como negócio, ela deve crescer tanto quanto suas impressionantes pernas provavelmente siliconadas.

A única diva com a qual Valesca é realmente comparável é Xuxa. Xuxa é sua única antecessora, da qual ela é, olhando bem, a única herdeira de porte. No convite ao sexo e ao consumo próprio de todas essas divas, Xuxa entrou na história representando o sexo e o consumismo infantil que infantilizou adultos das novas gerações. Mas Xuxa ficou velha. Xuxa era racista e burguesa e vendia a imagem de puritana usada até hoje por todas as suas herdeiras menores. Valesca, a rainha, é o contrário. Ela é parda e mora na favela, embora pinte o cabelo de loiro como metade das brasileiras. Por mais que se possa considerar a sexualidade como armadilha, Valesca a promete de modo livre. Uma armadilha livre não é uma mera contradição.

Fake autêntico 

Pessoas que costumam julgar a partir de padrões de gosto talvez antipatizem com a figura de Valesca Popozuda. Fácil tratar como bizarros aqueles quilos de silicone por todo o corpo. Alguns poderão dizer que, além de rainha do funk, ela é a rainha do mau gosto. Mas o seu mau gosto, demonstrado fartamente no vídeo “Beijinho no ombro”, é o que ela tem de melhor. Tudo o que é falso, no cenário da “Popozuda” parece verdadeiro, mas enquanto denuncia sua falsidade. A mensagem de Valesca é o fake autêntico. Mesmo que ela não saiba, o que Valesca faz é um deboche por inversão. Tudo o que parece fino e elegante, os tecidos, os materiais caros, o figurino de luxo, ela os transforma em “coisa de pobre”. O que era luxo vira lixo. O que há de importante no luxo senão a enganação que a tantos agrada? É assim que Valesca Popozuda, Robin Hood estético, rouba simbolicamente dos ricos para dar aos pobres.

Agradando os excluídos do gosto ela conquista corações e mentes. Valesca engana e agrada, mas não mente que engana. Talvez ela mesma não saiba o quanto é sincera ao ser declaradamente fake. A sinceridade dessa falsidade pode incomodar sacerdotes do bom gosto, mas, para sorte dos “popofãs”, ela não está nem aí com isso.

Talvez Valesca não saiba que é realmente a deusa de um mundo de plástico, cabelos tingidos e silicone. Suas pernas e glúteos são lenda urbana no cenário do funk ostentação. Para alguns funkeiros, a “ostentação” é uma vitória porque pensam ter conquistado algo do mundo capitalista, um luxo aqui, um lixo acolá. Conquistaram certamente o autoengano que é só o que o capitalismo pode oferecer. Outros funkeiros, mais espertos, exercitam o deboche. Mostram o ridículo de uma sociedade cafona como a nossa. Valesca Popozuda – talvez ela não saiba – é a denúncia, o espelho e o flerte mais radical com a atual verdade brasileira.

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