Marcia Tiburi/Revista Cult
Não será possível entender o fenômeno
Valesca Popozuda, nossa Madonna tupiniquim, um dos mais curiosos da
indústria cultural brasileira contemporânea, sem perceber a função que
um ídolo tem em seu tempo. Carmen Miranda, Elis Regina, Ayrton Senna,
para falar de personagens reais de nossa cultura, todos tiveram um lugar
importante em seu tempo. Todos simbolizaram algo essencial para quem os
amava ou odiava.
O ditado popular que reza que “cada povo
tem o político que merece” é verdadeiro se pensarmos na identificação
que leva à eleição de um político. O correspondente no campo estético,
“cada povo tem o ídolo que merece”, explica a relação de espelhamento
que as massas, que criam o ídolo, têm com ele. No desfile dos ídolos,
Valesca Popozuda é candidata ao topo de qualquer podium. Nenhuma das
divas da indústria cultural tem o poder de Valesca, embora – pelo menos
por enquanto – as outras (Sangalo, Claudia Leitte etc.) tenham rendido
bem mais do que ela em termos financeiros. O poder de Valesca Popozuda
vai além. É o poder do que podemos chamar de hiperidentificação.
Transitando entre ricos e pobres, exótica e engraçada para uns, ousada e
livre para outros, Valesca agrada à grande maioria. Bem cuidada como
negócio, ela deve crescer tanto quanto suas impressionantes pernas
provavelmente siliconadas.
A única diva com a qual Valesca é realmente
comparável é Xuxa. Xuxa é sua única antecessora, da qual ela é, olhando
bem, a única herdeira de porte. No convite ao sexo e ao consumo próprio
de todas essas divas, Xuxa entrou na história representando o sexo e o
consumismo infantil que infantilizou adultos das novas gerações. Mas
Xuxa ficou velha. Xuxa era racista e burguesa e vendia a imagem de
puritana usada até hoje por todas as suas herdeiras menores. Valesca, a
rainha, é o contrário. Ela é parda e mora na favela, embora pinte o
cabelo de loiro como metade das brasileiras. Por mais que se possa
considerar a sexualidade como armadilha, Valesca a promete de modo
livre. Uma armadilha livre não é uma mera contradição.
Fake autêntico
Pessoas que costumam julgar a partir de
padrões de gosto talvez antipatizem com a figura de Valesca Popozuda.
Fácil tratar como bizarros aqueles quilos de silicone por todo o corpo.
Alguns poderão dizer que, além de rainha do funk, ela é a rainha do mau
gosto. Mas o seu mau gosto, demonstrado fartamente no vídeo “Beijinho no
ombro”, é o que ela tem de melhor. Tudo o que é falso, no cenário da
“Popozuda” parece verdadeiro, mas enquanto denuncia sua falsidade. A
mensagem de Valesca é o fake autêntico. Mesmo que ela não saiba, o que
Valesca faz é um deboche por inversão. Tudo o que parece fino e
elegante, os tecidos, os materiais caros, o figurino de luxo, ela os
transforma em “coisa de pobre”. O que era luxo vira lixo. O que há de
importante no luxo senão a enganação que a tantos agrada? É assim que
Valesca Popozuda, Robin Hood estético, rouba simbolicamente dos ricos
para dar aos pobres.
Agradando os excluídos do gosto ela
conquista corações e mentes. Valesca engana e agrada, mas não mente que
engana. Talvez ela mesma não saiba o quanto é sincera ao ser
declaradamente fake. A sinceridade dessa falsidade pode incomodar
sacerdotes do bom gosto, mas, para sorte dos “popofãs”, ela não está nem
aí com isso.
Talvez Valesca não saiba que é realmente a
deusa de um mundo de plástico, cabelos tingidos e silicone. Suas pernas e
glúteos são lenda urbana no cenário do funk ostentação. Para alguns
funkeiros, a “ostentação” é uma vitória porque pensam ter conquistado
algo do mundo capitalista, um luxo aqui, um lixo acolá. Conquistaram
certamente o autoengano que é só o que o capitalismo pode oferecer.
Outros funkeiros, mais espertos, exercitam o deboche. Mostram o ridículo
de uma sociedade cafona como a nossa. Valesca Popozuda – talvez ela não
saiba – é a denúncia, o espelho e o flerte mais radical com a atual
verdade brasileira.
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