Repórter da Agência Brasil
Brasília - Apesar de serem a mesma pessoa, Joseph Ratzinger e o papa
Bento XVI eram duas personalidades diferentes. A opinião é do teólogo e
professor universitário Leonardo Boff, um dos poucos brasileiros que
conviveram com o líder católico que anunciou no último dia 11 o fim de seu
pontificado.
Ex-integrante da ordem franciscana e um dos expoentes da
Teologia da Libertação no Brasil, Leonardo Boff falou à Agência Brasil sobre o papa Bento XVI “de função ambígua e polêmica” e de atitudes rígidas.
“Uma coisa é o Ratzinger professor e acadêmico, que era extremamente
gentil e inteligente, além de amigo dos estudantes. Dava metade do
salário aos estudantes latinos e da África. Outra coisa é o Bento XVI,
que exerce função autoritária e centralizadora, sem misericórdia com
homossexuais e [adeptos da] camisinha”, disse Boff.
O teólogo define Ratzinger da fase pré-papal como um pastor e
professor extremamente erudito e de fácil acesso. “Era pessoa simples
que, ao se tornar cardeal, mudou de comportamento e passou a assumir
posições duras. Tratava com luvas de pelica os bispos conservadores e
com dureza teólogos da libertação que seguiam os pobres”.
Segundo Boff, dois aspectos caracterizaram o Ratzinger da fase
posterior. “Primeiro, o confronto com a modernidade, no encontro com as
culturas e com outras religiões. Tinha a compreensão de que a Igreja
Católica era o único porta-voz da verdade, e a única capaz de dar rumo a
toda humanidade. Por isso, teve dificuldades com muçulmanos e judeus”.
O segundo aspecto tem origem à época em que era cardeal. “Ele pedia
aos bispos que impedissem que padres pedófilos fossem levados aos
tribunais civis. Na medida em que a imprensa mostrou que havia não
apenas padres, mas também bispos e cardeais suspeitos dessa prática, o
Vaticano teve de aceitar a realidade. Ratzinger carrega essa marca de,
quando cardeal, ter sido cúmplice desses crimes”, declarou Boff.
Na avaliação do ex-franciscano, outro ponto fraco da atuação de
Bento XVI como maior líder da Igreja Católica foi o de levar um papado
tradicional, voltado para dentro da Europa. Na opinião de Boff, o papa
construiu “uma igreja baluarte: fortaleza cercada de inimigos por todos
os lados” e dos quais tinha de se defender.
“Acho que o projeto dele era uma reforma da Igreja ao estilo do
passado, voltada para dentro e tendo como objetivo político a
reevangelização da Europa. Nós, fora de lá, consideramos esse projeto
como ineficaz e como opção pelos ricos. Projeto equivocado”, argumentou.
“Não é um papa que deixará marcas na história”.
Boff disse não ter recebido com surpresa a notícia de que o papa
Bento deixará o posto, e que já sabia que ele vinha tendo problemas de
saúde que o comprometiam física e psicologicamente para exercer o
ofício.
“Recebo com naturalidade essa notícia. Essa decisão segue sua
natureza objetiva. Não é praxe um papa renunciar. Ele desmistificou a
figura do papas, que geralmente ficam [no cargo] até morrer.
Provavelmente por entender o papado como um serviço. Essa atitude merece
toda admiração e respeito. Esperamos, agora, que até a Páscoa, em
meados de março, elejam um novo papa. De preferência um papa mais
aberto. Até porque 52% dos católicos vivem no terceiro mundo e não mais
na Europa”, completou.
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