Do Estadão Conteúdo
Com o aumento da procura e a correria ao campus de São Carlos (SP), a Universidade de São Paulo (USP) resolveu enviar pelo correio a partir de agora a fosfoetanolamina sintética, substância que muitos pacientes acreditam ser capaz de combater o câncer. Com isso, os doentes beneficiados até agora por 742 liminares terão de aguardar a fórmula em casa. A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica pretende apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a distribuição.
A procura ocorre no Instituto de Química de São Carlos (IQSC), que ontem divulgou um comunicado e uma cartilha com perguntas e respostas para orientar as pessoas. O material diz que ninguém deve ir buscar a substância no campus, mesmo quem obteve autorização judicial. "O IQSC será notificado da liminar por oficial de Justiça e encaminhará a substância via Sedex/AR no endereço constante na petição inicial. O serviço do correio será cobrado do destinatário", diz a nota.
O instituto informa ainda que a encomenda "não é acompanhada de bula ou informações sobre eventuais contraindicações e efeitos colaterais". E ressalta que "não dispõe de médico e não pode orientar nem prescrever a utilização da referida substância". Também garante não ter "dados sobre a eficácia no tratamento dos diferentes tipos de câncer em seres humanos".
Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Evanius Wiermann diz que a entidade pretende procurar o STF para tentar reverter a distribuição. "Estamos nos movimentando para tentar sensibilizar o Supremo Tribunal Federal (STF). O que nos preocupa é o uso de uma droga sem segurança comprovada. Essa situação está criando uma jurisprudência para que qualquer pessoa use uma substância que não tem comprovação científica."
Polêmica
A fosfoetanolamina foi estudada pelo professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice, que era ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros. Na ocasião, segundo o IQSC, algumas pessoas chegaram a usar a substância como medicamento, o que era permitido pela legislação. Daí teriam surgido as primeiras informações de que a fórmula combateria o câncer.
Desde o ano passado, qualquer droga experimental somente pode ser testada com o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Um homem chegou a fabricar a substância em casa e acabou preso.
O instituto informou ainda que não distribui a fosfoetanolamina, porque a USP não assumiu a titularidade das pesquisas de Chierice. Entretanto, como tem capacidade de produção, o IQSC tem sido obrigado pela Justiça a fazer a droga sintética. A substância não foi testada clinicamente. O criador diz que chegou a acionar a Anvisa e não obteve retorno. Já o órgão divulgou nota nesta semana para garantir que nunca foi procurado para qualquer análise.
Segundo Chierice, o organismo produz a fosfoetanolamina. "O que fizemos foi sintetizar isso, em alto nível de pureza e em grande concentração." Ele tem a patente da fórmula no Brasil.
Diretor-geral do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, Paulo Hoff afirma que os estudos clínicos são essenciais para que a vida dos pacientes não seja colocada em risco. "O estudo determina os efeitos colaterais, a melhor administração e as indicações de medicação. Isso vale para um antibiótico e para um remédio contra o câncer. É o que dá noção de eficácia e segurança para ser usado."
De acordo com Felipe Ades, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, uma substância não pode ser considerada um medicamento sem que estudos em seres humanos sejam feitos. "Isso não é uma burocracia, ou uma exigência legal, isso faz parte do processo científico que visa a produzir medicamentos verdadeiramente eficazes", disse Ades. "A fosfoetanolamina não é, atualmente, uma opção de tratamento contra o câncer", concluiu.
Justiça
O assunto também chegou ao governo. Uma paciente de câncer abordou o governador Geraldo Alckmin durante visita ao interior pedindo para que liberasse a substância. Nas redes sociais, advogados se colocam à disposição de quem quer pedir uma liminar.
O Tribunal de Justiça de São Paulo havia suspendido as liminares favoráveis à retirada da substância, a pedido da USP, mas depois liberou a distribuição, pois um paciente derrubou o veto no Supremo. O Estado procurou o Ministério Público Estadual, que informou não ter nenhum processo sobre o caso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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