Um grupo LGBT realizou uma campanha de doação de sangue neste sábado (31), em Natal, porém parte dos voluntários foi impedida de fazer a doação. O motivo é uma portaria do Ministério da Saúde que barra doações de homens que tiveram relações sexuais com outros homens nos 12 meses anteriores.
Mesmo com decisões da Justiça do Rio Grande do Norte, que consideraram a resolução inconstitucional e que proibiram o estado de recusar as doações, a Secretaria de Saúde informou que segue a norma federal.
Cerca de 30 pessoas de Natal, Mossoró e João Câmara foram até o Hemonorte para fazer a doação. Antes de saber que não poderia participar, a ativista Rebeka de França falou do sentimento que tinha em ir doar sangue pela primeira vez. "Eu estou me sentindo no céu, sabendo que alguém vai poder caminhar, correr, porque meu sangue está correndo nas veias dela", disse.
Porém, ela ficou frustrada ao ser impedida. "Não tenho doença sexualmente transmissível, fiz exames recentemente, inclusive para assumir cargo público. Porque não posso doar?", questionou.
De acordo com outro ativista, Victor Varela, apesar de a portaria do Ministério da Saúde vetar a doação de sangue por homens que praticaram ou praticam relações sexuais com outros homens, decisões judiciais já proibiram o Estado de recusar os doadores LGBT. "Os outros procedimentos de triagem, de avaliação do sangue, se é um sangue seguro, seguem vigentes e são importantes para uma doação segura", justificou.
Apesar do argumento, o diretor do Hemonorte, Rodrigo Vilar, afirmou que o centro ainda atende a norma nacional e considera que a decisão da Justiça Estadual atende exclusivamente ao autor da ação.
"A legislação federal ainda mantém como critério de inaptidão temporária, por 12 meses, homens que fazem sexo com outro homem. Esse assunto está em debate no próprio Supremo Tribunal Federal. No estado, houve uma decisão favorável a um autor da matéria, que questionou essa questão para doação, portanto a gente vai atender a decisão judicial pertinente ao autor", disse.
Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde Pública reforçou que a decisão do Hemonorte de não atender ao grupo foi baseada em normas técnicas do Ministério da Saúde e em parecer jurídico do último dia 29, feito pela Procuradoria Geral do Estado. Ainda de acordo com a pasta, uma reunião para discutir esse assunto será marcada nesta semana.
Decisão
Em julho deste ano, o relator de uma Apelação Cível no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, desembargador Cornélio Alves, proibiu o Estado do RN de inabilitar o autor da ação para doação de sangue humano, com base exclusivamente na norma da Anvisa ou outra posterior, sob pena de pagamento multa de R$ 5 mil por cada negativa, limitada a R$ 50 mil.
Ao proferir seu voto, ele salientou que o ato regulatório da Anvisa teve sua inconstitucionalidade reconhecida em 2018, pelo Plenário do Tribunal de Justiça do RN, por não proteger os potenciais receptores de sangue de um comportamento de risco do pretenso doador, mas sim, por vias indiretas ou transversas, impor uma "restrição apriorística" à orientação sexual do doador, o seu próprio direito de ser, inerente à sua dignidade.
“Em outras palavras, se o requerente eventualmente se enquadrar em uma das situações de risco constitucionalmente admitidas, como, por exemplo, o uso de drogas injetáveis, sexo desprotegido ou com vários parceiros, etc., o Estado do Rio Grande do Norte, por meio de seus prepostos, pode e deve inabilitá-lo para doação de sangue”, concluiu o relator.
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