Buenos Aires – Para os moradores da favela Villa 31, no centro de
Buenos Aires, Mario Jorge Bergoglio é austero e humilde – um homem
talhado para ser o papa dos pobres. Ele é comparado ao padre Carlos
Mujica, que trabalhava nos bairros mais carentes da capital argentina e
foi metralhado pela repressão na década de 1970. Seu corpo foi enterrado
na capela Cristo Operário, que ele inaugurou na Villa 31.
“Eu me lembro do dia em que trouxeram o corpo do padre Mujica, do
cemitério da Recoleta, para ser enterrado aqui. Levamos o caixão por
estas ruas e conosco estava Bergoglio, que rezou missa por ele”, contou,
em entrevista à Agência Brasil, Saul Sanchez, padeiro da favela. “Mujica e Bergoglio são parecidos – os dois são o que chamamos de curas villeros
(padres favelados). Quando ainda era arcebispo de Buenos Aires,
Bergoglio vinha aqui e tomava mate conosco. Nos visitava pelo menos duas
vezes ao ano”.
Na Argentina, as opiniões sobre Bergoglio são divididas. Pesa sobre
ele a suspeita de que foi conivente com a última ditadura (1976-1983),
responsável pelo desaparecimento de cerca de 30 mil opositores. A
denúncia foi feita pelo jornalista Horacio Verbitsky, no livro O Silêncio, sobre o papel da Igreja Católica no regime militar.
Presidente do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) – uma
organização não governamental (ONG) de defesa dos direitos humanos –,
Verbitsky ouviu os jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalics. Os dois
foram sequestrados em 1976 e levados a um centro de tortura clandestino,
que funcionava dentro da Escola Mecânica da Armada – a temida Esma. As
denúncias são de que muitos dos torturados na Esma acabaram sendo
jogados vivos, de aviões, no Rio da Prata – nos chamados voos da morte.
Os dois sacerdotes foram soltos depois de cinco meses e Yorio acusou
Bergoglio de ser o responsável pela prisão e tortura que ambos sofreram.
Yorio morreu de ataque cardíaco há 13 anos, mas seus parentes
continuaram investigando o passado. A pedido deles, Bergoglio foi
chamado para prestar depoimento no julgamento dos responsáveis pelos
crimes cometidos na Esma. Ao saber que o arcebispo de Buenos Aires tinha
sido eleito papa, Graciela, a irmã de Yorio, reagiu: “Não posso
acreditar. Estou tão angustiada, com tanta raiva, que não sei o que
fazer”. O desabafo, foi enviado a Verbitsky e reproduzido por ele em sua
coluna no jornal Página 12.
“O mundo hoje fala do papa Francisco como o altruísta, que está do lado
dos mais necessitados. Não conhece a verdadeira cara dele - é um homem
que fingiu não ver os horrores da ditadura e que se calou para não se
comprometer. Esse é o papa que temos”, disse Estela de la Cuadra, em
entrevista à Agência Brasil. Estela é irmã de Elena,
sequestrada quando estava grávida de cinco meses. Testemunhas que viram
Elena no centro de tortura contaram que ela deu à luz uma menina, Ana,
que, como os pais, desapareceu sem deixar rastro.
“Meu pai pediu ajuda, pessoalmente, a Bergoglio. Queria recuperar a
neta. E o que foi que ele fez? Deu um bilhete ao meu pai, recomendando-o
a outro sacerdote, que nada fez”, disse Elena. Ela acusa o papa
Francisco de omissão. Bergoglio tambem foi convocado como testemunha no
julgamento dos responsáveis pelo roubo de bebês durante a ditadura.
Quando ele foi eleito papa, as Avós da Praça de Maio publicaram, em sua
página na internet, a transcrição do que foi dito no tribunal. Quando o
promotor perguntou se sabia que os militares estavam roubando os filhos
dos desaparecidos, ele respondeu que só tomou conhecimento nos anos 1990
– mais de uma década depois do fim da ditadura.
“Como é que ele diz que só ouviu falar na década de 1990? O mundo ficou
sabendo antes. E ele ocupava um cargo alto na Igreja – não tinha como
não saber”, disse Estela. Bergoglio, no entanto, nega as acusações e
lembra que, inclusive, ajudou alguns sacerdotes a escapar das garras da
ditadura. Ele foi defendido pelo Prêmio Nobel da Paz, o argentino Adolfo
Esquivel. Segundo Esquivel, muitos sacerdotes foram realmente cúmplices
do regime militar – mas Bergoglio não.
Com Informação da Agência Brasil
Foto: Reprodução
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