Raimundo Carreiro, que foi secretário-geral do Senado, apresentou registro de 1946 para conseguir o salário integral de aposentado pela Casa; mas, após chegar ao tribunal, foi à Justiça provar que nasceu em 1948, evitando a saída compulsória em 2016
Nomeado há seis anos para o Tribunal de Contas da União (TCU), o ministro Raimundo Carreiro envelheceu, sem truque de beleza ou matemática, só quatro de lá para cá. Depois de assumir o cargo, conseguiu na Justiça mudar sua data de nascimento de setembro de 1946 para setembro de 1948 e, assim, esticar em dois anos a permanência na corte, tida como o "céu" de políticos e servidores públicos em fim de carreira.
A manobra adia a aposentadoria do ministro, obrigatória aos 70 de idade, e lhe assegura a posse na presidência do tribunal no biênio 2017-2018, escanteando colegas de plenário.
O comando do TCU é definido anualmente numa eleição pró-forma, que ratifica acordo de cavalheiros previamente costurado. O presidente exerce mandato de um ano, renovado sempre por mais um. Pela tradição, o escolhido é sempre o ministro mais antigo de casa que ainda não exerceu a função. O próximo da fila é Aroldo Cedraz, que tomou posse em janeiro de 2007, dois meses antes de Carreiro, e sucederá a Augusto Nardes no período 2015-2016. Em seguida, será a vez de Carreiro, que, com nova certidão de nascimento, tirou a cadeira de José Múcio Monteiro. "Pode ser consequência (assumir a presidência), mas não que o objetivo seja esse", diz Carreiro.
A decisão que o "rejuvenesceu" foi obtida na Comarca de São Raimundo das Mangabeiras, município do interior do Maranhão em que cresceu, foi vereador e se tornou influente. Para remoçar dois anos, Carreiro mostrou à Justiça certidão de batismo da Igreja de São Domingos do Azeitão, lugarejo vizinho a Benedito Leite, onde veio ao mundo. Preenchido à mão e de difícil leitura, o documento registra o nascimento de "Raimundo", filho de Salustiano e Maria, em 6 de setembro de 1948, e não nos mesmos dia e mês de 1946, como no registro civil original do cartório.
Antes de migrar para o TCU, em março de 2007, Carreiro se aposentou no Legislativo usando a idade antiga, ou seja, aos 60 anos contados de 1946, e salário integral. Deixou a Secretaria-Geral da Mesa do Senado para ser empossado no TCU. A remuneração bruta alcança hoje R$ 44 mil, mas, segundo o Senado, não é paga por causa dos proventos do TCU, não acumuláveis.
Em 2008, já aposentado, Carreiro recorreu à Justiça para "corrigir" a confusão. Desta vez, lhe interessava comprovar a data de nascimento de 1948.
A sentença da Justiça maranhense saiu em março de 2009. Antes de
concordar com a troca do registro, o Ministério Público rejeitou duas
vezes os documentos juntados por Carreiro. Foi preciso o ministro viajar
para São Raimundo e levar à audiência o padre de São Domingos, com
livro de batismo e tudo. "Sabe quantos dias ele ficou para dar esse
parecer? Contei: 43", recorda Carreiro, reclamando do promotor Cássius
Guimarães Chai: "Ele é muito conhecido lá, porque é muito ‘cri-cri’",
acrescentou o ministro.
Reforçaram o conjunto probatório os depoimentos da mãe biológica,
Maria Pinheiro da Silva, que corroborou a data, e os de dois conhecidos
da época de menino. Questionado se o registro de batismo é 100% certo, o
padre atual, José Edivânio de Lira, explica: "Aqui é comum dar os dados
de cabeça. É um pouco mais preciso, apesar da dúvida".
Origem do problema. Embora nascido nos anos 1940, Carreiro só foi
registrado em cartório em junho de 1965, em São Raimundo, o que era
comum no passado. Na versão dele, foi por pressão dos políticos da
época, interessados em qualificá-lo para votar, que o cartório marcou 18
anos de idade, e não 16. Com a fraude, sustenta, a irmã Floracy passou a
ser, no papel, apenas três meses mais velha, ou seja, sem o intervalo
de uma gestação. "Ficou por isso mesmo", diz Carreiro. Na ação, ele
argumentou que, embora transcorrido tanto tempo, era alvo de chacota dos
familiares e, nas consultas médicas, obrigado sempre a reiterar a idade
"de fato".
No TCU, a notícia da retificação provocou críticas. "O poder
rejuvenesce", ironizou fonte graduada do tribunal. Além de administrar a
estrutura da corte, com um orçamento anual de R$ 1,5 bilhão, o
presidente não relata e julga processos, cumprindo, a seu critério,
agenda recheada de negociações políticas e viagens internacionais.
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