Uso da fibra mineral considerada cancerígena pela OMS é alvo de duas ações no STF e pode ser proibido no Brasil, como já ocorre em 60 países
Aos 83 anos, Alcides Antônio da Silva pouco se lembra do período em
que trabalhou na mina de amianto São Félix, em Bom Jesus da Serra, no
sertão baiano. Mas os sete anos em que ensacou as pedras de amianto e
comandou o motor que as quebrava deixaram uma marca profunda em sua
saúde. Alcides foi diagnosticado com asbestose, ou “pulmão de pedra”,
uma das doenças comprovadamente causadas pela exposição prolongada a
essa fibra mineral. Há décadas tem dificuldade de caminhar ou de fazer
qualquer atividade física, dada a perda da capacidade respiratória. A
história de Alcides é a de centenas de outros trabalhadores da mina São
Félix e de moradores de Bom Jesus da Serra. É também a história do
próprio município, que viveu uma época de “progresso” com a exploração
do mineral, sem prever a destruição que se seguiria .
Esses casos vêm à tona diante da iminência do
julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de duas ações diretas de
inconstitucionalidade que pode levar ao banimento do amianto no Brasil.
Mais de 60 países já baniram o uso dessa fibra, considerada cancerígena
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela International Agency for
Research on Cancer (Iarc, a agência internacional de pesquisa sobre
câncer). O Brasil, terceiro maior produtor mundial e quarto maior
consumidor de amianto, ainda permite o uso do mineral em diversas
atividades, como na fabricação de telhas, caixas d’água, canos e
pastilhas de freio. Apenas cinco estados têm leis que proíbem a
substância: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e
Pernambuco. Para o setor saúde, banir é salvar vidas.
Doenças relacionadas
No Brasil, 2.123
pessoas com mais de 20 anos de idade morreram entre 2000 e 2011 por
câncer relacionado ao amianto, sendo 827 por mesotelioma e 1.298 por
neoplasias malignas da pleura, de acordo com uma tabulação do Ministério
da Saúde em cooperação com a Universidade Federal da Bahia apresentada,
pela primeira vez, na audiência pública. A essas mortes ainda se
somaram 109 por placas pleurais e 156 por pneumoconiose. Uma ressalva de
Franco Netto: “Existe um processo extremamente importante de
subnotificação”.
O representante do Ministério da Saúde
lembrou que o Brasil é signatário de acordos multilaterais que
reconhecem o banimento de todos os tipos de amianto como a forma mais
eficiente de eliminar as doenças a eles relacionadas. Sua conclusão: “O
Ministério da Saúde, valendo-se de suas responsabilidades legais em
defesa e promoção da saúde da população brasileira, recomenda a
eliminação de qualquer forma de uso do amianto crisotila no território
nacional. Recomenda, também, a adequada gestão ambiental de seus
resíduos e a identificação e acompanhamento rigoroso da população a ele
exposta”.
Diante dos representantes da indústria, que ali
estavam para defender o suposto “uso seguro” do amianto crisotila, o
pesquisador Hermano Albuquerque de Castro ressaltou que a Fiocruz
desenvolve pesquisas e investigações “seguindo o que diz respeito à
saúde pública”. Para além dos mais falados danos à saúde dos
trabalhadores, o pesquisador observou que “o amianto não é um problema
ocupacional estrito” e tratou dos pouco comentados riscos para a
população em geral. “Os riscos ultrapassam o muro da fábrica e ganham a
sociedade, quando os produtos vão para o comércio”, afirmou, mostrando
que a função da saúde pública é exatamente englobar esse escopo maior —
saúde do trabalhador, saúde ambiental, saúde do consumidor.
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