No sertão, nada é apenas o que parece: o solo ressequido também dá boas
cacimbas; um dia nublado com um céu de chumbo, em vez de assustar, fica “bonito
pra chover”; e aquela vegetação exuberante pode ser somente a “seca verde”,
fenômeno que ocorre quando as chuvas são mal distribuídas — até muda a
paisagem, mas não significa um bom inverno.
No sertão, um rio é mais do que um rio. O São Francisco, 2.700
quilômetros de extensão, virou mito, música, poema, novela, negócio. Com o
início das obras de transposição, em 2007, teve o seu curso alterado para
abastecer o semiárido nordestino. O plano polêmico, agora batizado oficialmente
de Projeto de Integração do Rio São Francisco, percorre 477 quilômetros, divide
opiniões, modifica a geografia e afeta a vida dos moradores da região.
Em março, o primeiro trecho da obra, que corresponde ao Eixo Leste, foi
entregue com direito à dupla inauguração: uma oficial, com o presidente Michel
Temer, e a outra popular, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dias
depois, Radis esteve no sertão de Pernambuco, fronteira com a Paraíba. O
percurso de nossa reportagem começa em Sertânia, exatamente na barragem de
Campos — a maior das quatro construídas no município, a 314 quilômetros do
Recife —, com os pés banhados pelo Velho Chico. É um volume d’água de encher os
olhos de qualquer nordestino. Mas essa abundância tem um preço: as obras
deixaram muitas marcas na população e o projeto fez crescer o interesse do
agronegócio e dos setores industriais.
Enquanto isso,
a água, esse bem público, ainda não chegou nas torneiras. No sertão, nada é
apenas o que parece.
Autor:
Ana Cláudia Perez //Radis 177
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