O vento, força que outrora movia apenas velas e moinhos, agora impulsiona gigantes de aço na paisagem do Nordeste brasileiro. Mas, enquanto as turbinas giram, as vozes das comunidades ao redor se levantam, carregadas de dúvidas, angústias e expectativas. A região de Mato Grande, no Rio Grande do Norte, há 15 anos convive com as transformações impostas pelos parques eólicos. A promessa de progresso e energia limpa traz consigo uma complexa teia de impactos sociais, ambientais e econômicos que demandam urgente reflexão.
A pesquisa liderada pelos professores Járvis Campos e Mozart Fazito investiga essas mudanças na vida dos 131.863 habitantes distribuídos pelos dezessete municípios da região. Utilizando métodos qualitativos e quantitativos, os pesquisadores analisam os impactos socioambientais decorrentes da expansão acelerada das usinas eólicas. O estudo, intitulado “Desenvolvimento Sustentável e Transição Energética: análise espacial e intraurbana dos impactos da produção eólica na Região de Mato Grande-RN”, revela que a falta de regulamentação no setor acentua as tensões entre progresso e preservação.
O estudo observa que, apesar do potencial energético da região, a rápida instalação de parques eólicos tem gerado consequências negativas. Moradores relatam desilusões com as promessas de emprego e capacitação que não se concretizaram. "As eólicas chegaram prometendo emprego e capacitação, tudo ilusão. O pior de tudo é conviver com o sentimento de descaso", lamenta um morador de Guamaré. A convivência com barulhos constantes, sombras das turbinas e explosões das usinas afeta a pecuária e a saúde mental dos moradores. A proximidade das torres é uma preocupação constante: “O problema maior é a distância das torres: peça grande cai, pega fogo, faz barulho, jorra óleo", relata um residente de Jandaíra.
O turismo, outra fonte de renda local, também sente os efeitos das mudanças. “Perdemos dunas, lagoas, nossas áreas de lazer”, afirma um representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parazinho. Para o professor Mozart Fazito, do Departamento de Turismo, é possível conciliar a presença dos parques eólicos com o desenvolvimento turístico, desde que haja uma regulamentação adequada.
Por outro lado, a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEÉOLICAS) defende que os parques contribuem para o desenvolvimento das cidades que os abrigam. Segundo a associação, a alta capacidade de geração de energia limpa diminui a emissão de gases do efeito estufa e reduz a dependência de fontes não renováveis, além de promover o crescimento da renda local.
O estudo quantitativo da pesquisa examinou o desenvolvimento urbano dos municípios da região entre 2010 e 2022, com foco nos impactos das 106 usinas instaladas no Mato Grande, das 302 existentes em todo o estado. O professor Járvis Campos reconhece o potencial dos parques eólicos para fomentar o desenvolvimento econômico, mas adverte sobre a necessidade de um marco regulatório para garantir que os benefícios sejam distribuídos de forma equilibrada. "A energia eólica causa diversos impactos, e este cenário é reflexo da ausência de um marco regulatório para o setor. O que se discute é qual o melhor formato que atenda aos diferentes setores econômicos e da sociedade civil, na busca por um desenvolvimento sustentável", pontua Campos.
A pesquisa conclui que é imprescindível revisar os instrumentos legais que regulamentam a atividade eólica para atender às demandas atuais e garantir que as populações afetadas recebam os benefícios prometidos. Propõe-se, entre outras medidas, estabelecer uma distância segura entre as torres e as habitações, buscando uma convivência mais harmoniosa entre os empreendedores e as comunidades locais.
No âmbito da pesquisa, foi realizada uma ampla revisão bibliográfica e documental sobre as regulações internacionais do setor eólico. Essas regulações foram mapeadas e analisadas para quantificar o número de municípios impactados na região do Mato Grande, com base nas práticas adotadas por países desenvolvidos. "É fundamental que os órgãos e a sociedade discutam regulações não apenas voltadas para o controle dos impactos, mas também para a mitigação dos danos causados nos últimos anos", afirma Campos.
Os resultados dessa pesquisa foram debatidos no Fórum Nacional Eólico, realizado em 14 de agosto, que reuniu as principais empresas do setor, políticos e especialistas em mudanças climáticas para discutir políticas públicas. A pesquisa do professor Járvis Campos agora compõe a agenda prioritária do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE).
Assim, enquanto os ventos continuam a soprar e as turbinas a girar, a discussão sobre os rumos da energia eólica no Nordeste do Brasil se intensifica, com um olhar atento para as necessidades e desafios das comunidades que vivem à sombra desses gigantes.
*Paiva Rebouças - Agecom/UFRN - e Ananda Miranda - CCET/UFRN
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