Quem transita pela manhã na Av. Prudente de Morais é bem provável que já o tenha visto. Até porque não é um qualquer pra passar despercebido, ou a quem se possa esquecer fácil.
De mangueira nas mãos leva todo o expediente cuidando daquele canteiro central mais que extenso.
Até aí nada demais. Mas, de saída, já chama a atenção pelas roupas pouco convencionais ao seu ofício.
Um jardineiro que resolveu trabalhar de segunda a sexta, sol a pino, de paletó e gravata. Sem contar a inseparável e charmosa mochila às costas.
Combinar todos esses itens não seria tarefa fácil a ninguém, ainda mais se decide complicar o sutil equilíbrio da indumentária, acrescentando-lhe outro elemento inusitado: um par de botas de borracha preta.
Atingir a almejada elegância com um conjunto esquisito desses – paletó, gravata, botas de borracha – não é tarefa pra todo amador, e nisso, sem dúvida, diga-se, *Oh Gloria* não deixa cair a peteca.
*Oh Glória* porque é sua expressão inseparável, recorrente, com que saúda a quem entra no seu campo de visão, ou se aproxima, ou lhe faz uma pergunta, ou lhe dirige a palavra, simplesmente. Tornou-se com o tempo seu ferro inconfundível – feito pra ferrar. Antes, os outros; depois, a si mesmo. Um quase apelido que partindo dele ganhou fama entre todos, e depois voltou-se pra incensar o gajo.
O que pareceria insólito em outros, é mais que natural naquele homem – com seus trajes oficiais em meio à folhas, flores, aspersores, arbustos, ciscadores, pás, etcétera. Tão natural quanto seus colegas de lida, vestidos de macacões azuis, todos iguais, com _logo_ branco da terceirizada.
Entre os canteiros vai falando sobre essa ou outra planta que trouxe de longe, e que pegou, a muda pegou, cresceu, e ficou tão bonita, ‘veja aqui, oh gloria!, é o senhor … Essa aqui vejo todos os dias,’ fala acariciando-a, com toda alegria no olhar, ‘dizem que os olhos do dono engordam, fazem crescer as bichinhas. Mesmo não sendo eu dono de nada aqui’, diz com naturalidade.
Contagiante o seu estado de satisfação com o entorno, sendo seu universo um oásis de bem-aventurança divina, com tudo a transbordar plenitude. Celebrar por isso o mais trivial acontecimento – a chegada de um desconhecido, o sol que abriu repentino, a rosa do canteiro que acabou de desabrochar – e sobretudo o seu emprego que o permite estar ali no centro de um mundo particular, movendo-se num palco único, o mais importante, o aqui e agora, quem sabe o grande motivo para envergar o insólito traje passeio (nem tão completo assim) e reverenciar os momento únicos e a vida em toda sua respiração.
Talvez aí a expressão que lhe salta os lábios, quase sem querer, pra onde se vira: Oh glória, oh gloria…
Talvez aí a expressão que lhe salta os lábios, quase sem querer, pra onde se vira: Oh glória, oh gloria…
‘Trabalho pra Barbosa e pra Alves’, diz com intimidade e uma ponta de orgulho. Só depois de um momento cai a ficha, certamente ele se refere ao secreta da serviços urbanos e ao alcaide da cidade.
E emenda, ‘depois de pensarem por uns dias, consentiram que eu trabalhasse assim, desse jeito’.
E acrescenta, ‘acho que pesou minha situação de artista’. Artista? ‘Sim, sou cantor. Tenho toda uma carreira. Cantei com sicrano e beltrano. Conhece?’ Não. ‘Mas já ouviu falar?’ Não. ‘Foi o som mais _pesado_ durante anos, do Alecrim pra sair nas Quintas profundas. Sabe do que estou falando?’ Sei, agora sim.
Naturalmente que a curiosidade redobrou, tornou-se insustentável, aí veio a pergunta: Como é mesmo o seu nome?
E ele, sem tirar os olhos do roxo das buganvílias subindo ancoradas numa treliça:
Zé do Rock Meu Amor.
Assim mesmo, inteiriço, sem vírgula, sem nada.
*Oh Glória!*
Texto e Foto: Napoleão de Paiva
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