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domingo, 31 de outubro de 2021

ALUNOS TIVERAM GRANDE PERDA DE APRENDIZAGEM, DIZ ESPECIALISTA


Uma das maiores perdas da pandemia será a deficiência na formação dos estudantes que estão se formando. Essa é a avaliação do professor e membro do Conselho Nacional de Educação Mozart Neves Ramos, ex-reitor da UFPE e titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP – Ribeirão Preto. Contudo, em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, ele sugere como esse quadro pode ser revertido, através de um “observatório dos egressos” e estabelece uma relação entre o ensino básico e o superior que pode melhorar a qualidade no ensino de ambos os níveis. Além das dificuldades impostas pela pandemia, a retomada da normalidade enfrenta o corte de verbas, que, segundo o Mozart Ramos, obriga as universidades a mudarem o modelo de gestão. Confira a entrevista.

A aprendizagem e a formação dos estudantes sofreu grandes perdas com a pandemia?

Esses três semestres de pandemia trouxeram impacto muito grande na aprendizagem escolar, seja na educação básica ou superior, no qual muitos alunos não se adaptaram ao modelo remoto. Muitas universidades não tiveram condições de oferecer de imediato essa modalidade. As universidades públicas federais demoraram um tempo relativamente grande para oferecer o ensino remoto, comparando com a rede pública de ensino da educação básica. Entendo que os alunos tiveram grande perda de aprendizagem.

Temos/teremos profissionais com formação inferior aos anos anteriores?

Não podemos deixar de levar em conta a atenção que precisa ter com o jovens que estão em áreas de parte prática muito forte na composição curricular porque, com toda certeza, irão precisar de uma avaliação diagnóstica. Isso para quem está na universidade, para repor dentro daquele conteúdo curricular. Sem sombra de dúvidas, houve perda de aprendizagem e conseqüentemente na qualidade da formação.

É possível repor essas perdas na formação? Como?

É criar um observatório dos egressos da pandemia. É uma ideia que trago para ajudar, acompanhar, aqueles que saíram nesse momento e permitir que possam eventualmente voltar a universidade para fazer algum tipo de aperfeiçoamento, atualização que não foi possível na pandemia porque pode ser que esses déficits que têm impacto na qualidade da educação, se manifestem no exercício da prática profissional. Por isso, defendo que a universidade faça um trabalho politicamente muito relevante com um observatório dos alunos que se formaram no período da pandemia.

Como se pode melhorar a qualidade do ensino superior nessa retomada?

Há um erro em tratar a educação básica e superior de maneira descolada. O país precisará de grande esforço para compreender o papel de educação básica para a qualidade do ensino superior, sob pena de que não adianta apenas colocar estudantes na universidade se ele traz da educação básica muitos déficits de aprendizagem. Eu diria que para tornar a educação o motor do desenvolvimento do Brasil é importante, em primeiro lugar, olhar para a educação básica. Que é essa qualidade que vai produzir e formar recursos humanos com condições, não só de ingressar na universidade, mas também de concluir esse ensino superior.

Essa deficiência começa na educação básica, certo?

Temos uma perda muito grande no ensino superior e parte dessa perda decorre da baixa qualidade da educação básica, principalmente nos cursos com alto índice de matematicidade, como nas engenharias, nas ciências exatas, que são áreas muito estratégicas para o desenvolvimento no país. Por outro lado, há um déficit muito grande de professores na educação básica em disciplinas de química, física e matemática e, ao mesmo tempo, uma taxa de desistência grande no ensino superior, nos dois primeiros anos. A universidade tem que compreender o seu papel, seja no no campo do desenvolvimento científico e tecnológico, mas também para o impacto da qualidade da educação básica e aí um elemento central é a formação de professores e quem forma é a universidade.

Além disso, quais os desafios para educação a partir de agora?

No caso da universidade pública, o seu ponto mais fraco é o fato do esgotamento de recursos, de verbas discricionárias (para manutenção do setor), para sustentabilizar o crescimento desse setor. O grande desafio e o problema é que, como não há crescimento econômico no país, começa a faltar recursos para vários setores.

E como se pode garantir educação de qualidade com previsão de mais cortes?

No ensino superior público, na minha opinião pessoal, vai precisar repensar sua estrutura organizacional, tanto do ponto de vista de pessoal, quanto contábil e financeiro, naquilo que concerne à autonomia universitária que está prevista na constituição, mas como não há uma lei regulamentando-a, acaba ficando um sistema engessado, pouco criativo e inovador. A gente tem que entender que a universidade pública não pode depender de onde sopram os ventos, tem que lutar por recursos mas mudar modelo de gestão que ainda é de décadas atrás. Maior capacidade de remanejar orçamentos de pessoal, custeio, investimentos, ter capacidade de gerar recursos, alinhado com tribunais de contas. Quem tem o corpo de pesquisadores, tem massa crítica qualificada para produzir riqueza para a própria universidade, mas o modelo ainda está muito engessado.

O orçamento das universidades repõe perdas?

Foram dois anos seguidos de cortes no orçamento, depois o congelamento. O grande problema é que acaba com o planejamento da instituição. A universidade precisa entender que há um cenário complexo, do ponto de vista político, da visão que o atual governo tem das universidades públicas. Há um cenário real econômico extremamente complexo cujos números da queda de investimentos da ciência e tecnologia já vinham caindo. Mesmo depois de um ano em que a ciência teve papel muito importante, para o próximo ano o orçamento já foi cortado em R$ 650 milhões para a ciência brasileira.

Porque é importante levar o tema educação para o centro das atenções nesse momento de retomada após o grave período da pandemia da covid-19?

A educação não é o único vetor mas é certamente o mais importante para a redução das desigualdades sociais, econômicas, para o desenvolvimento sustentável de um país, de qualquer país, que queira ser protagonista no cenário mundial. Há uma relação direta entre anos de escolaridade e PIB per capita de um país. Quanto maior o número de anos de escolaridade, maior o PIB. Não é uma relação linear direta, mas quanto mais anos de escolaridade maior o PIB per capita. Notadamente para um país que vem colocando 25% do seu orçamento em educação, quanto maior a riqueza, mais dinheiro para a educação.

E neste cenário, como o senhor vislumbra o futuro da educação e da ciência?

A gente tem que olhar pelo lado da sociedade, porque governos passam. A ciência e educação são eternas. Eu vejo que as sociedades são mais fortes que os tempos de governos. Tenho a clara compreensão de que esta geração teve mais acesso à escola e entende o valor da escola, de modo que a educação venha a ser prioridade. De 2012 para 2020 o Brasil aumentou em dois anos o a média de escolaridade da população adulta. Notadamente, uma sociedade mais escolarizada, depois desse período de pandemia que mostrou o valor da ciência, passe a ter cada vez mais um componente de advocacy em favor da educação e da ciência que não tinha há 20 anos. Quando as pessoas têm essa compreensão, defendem o valor da educação.

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