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terça-feira, 28 de outubro de 2014

ENTRE BECOS, a poesia

*Gazeta do Oeste
Mário Gerson

O andar firme entre os transeuntes, o olhar sereno na tarde amena da capital… Passada a porta de vidro da Livraria Nobel, nas proximidades de um grande shopping, a poetisa conduz seu livro. Deixará, pela primeira vez, para ser exposto. Fez o lançamento no início do ano e divulga sua obra, na timidez comum dos bons poetas, sem alarde.

Obra que recebeu, mesmo sem necessitar, a chancela de alguns críticos e a leitura atenta de muitos outros. Jovem, com pouco mais de vinte anos, Nassary Lee, a paraense que se instalou na capital, escreve com a intensidade dos que já, há anos, batalham no ofício, mas sem nunca perder a ternura inicial, pois que todo poeta é, eternamente, um aprendiz de seus versos.

Na porta da livraria, alguém a reconhece. Cleudivan Jânio de Araújo, da CJA, que vem a ser sua editora com suas iniciais, sorri ao aceno. Sobre a mesa, os livros que serão deixados, sob consignação, para venda. A autora é uma das pratas da editora.

Sorridente, serena, simpática (três “s” necessários), Nassary, que tem aparência árabe com um tom indiano, fala sobre seus poemas. Entre uma xícara de café e outra, entre um sorriso e outro, entre um copo com água e outro (e vamos acabar com os outros, pois que poderão complicar esta reportagem), ela aponta o livro e, com grande satisfação, faz menção do prefácio de Vicente Serejo… “Fiquei sem palavras!”, destaca, quando se refere ao pequeno e agradável ensaio. “Um poeta nunca deve perder suas palavras…”. Nassary sorri e, mais uma vez, abre o livro. Livro chamativo: Entre becos e sonhos é o seu título, em letras vazadas de branco, sob uma cor violeta e uma arte que se mistura à poesia da obra.

A poesia veio, em sua vida, naturalmente. Desde pequena, escreve versos. “Meu pai viajava muito e minha mãe ficava preocupada em perdermos o ano escolar. Nesse tempo, comecei a escrever. Tive a oportunidade de conhecer todo o Norte e Nordeste. Comecei, em poesia, entre os dez ou 11 anos… Na escola, as professoras tinham esse cuidado de reunir meus versos e datilografá-los. Eu ficava com um pouco de receio, mas encarava naturalmente”, fala a poetisa, segurando, em uma das mãos, sua obra inicial.

Segundo ela, na verdade, o projeto de lançar o primeiro livro começou a partir de Cleudivan Jânio, que reuniu seus versos em um trabalho. “Foi uma surpresa, por exemplo, ganhar o concurso da livraria, na UFRN, que foi um divisor de águas. A partir de então, comecei a participar de outros prêmios e fui ganhando, aos poucos, alguns deles e sendo selecionada para antologias. Esse momento foi bastante importante, no sentido de que conheci outros estilos e meus amigos me incentivavam a publicar. Em especial, em um determinado dia, um amigo me pediu os poemas. Levei 70 e eles foram aprovados, depois que mostrei a alguns colegas”, diz.

Na mesa alta, o salto se destacando na paisagem comum dos livros, Nassary sorri discretamente ao falar da própria obra. “A princípio, meu livro seria independente, mas as coisas foram acontecendo. Não sabia o que fazer com aqueles versos, porém, tudo foi se encaixando. Por fim, depois de três capas e duas diagramações, o livro ficou pronto. Quando conheci Thiago Gonzaga, tive acesso a Cleudivan Jânio, hoje meu editor e, desde então, tudo vem dando certo e lançamos, no início do ano, o Entre becos e sonhos”, fala.

A EDITORA

E A POESIA

A poesia de Lee, de acordo com seu editor, “é uma grata surpresa para todos nós. Destaco, em minha editora, com 40 obras publicadas, dois autores: Nassary Lee e Bruno Soares, que lançaram recentemente conosco”, fala Cleudivan.

De acordo com ele, as tiragens da editora variam. “Trabalhamos com a demanda do autor. A partir de 100 exemplares, a editora já publica o escritor”, explica, salientando que o livro, em todos os aspectos, é acompanhado seriamente pela editora. “Fiz trezentos livros e achava que seria o ideal. A procura, no entanto, ainda é tímida”, diz Nassary. “Não por falta de divulgação. É que não vemos, hoje, uma maior procura do leitor por autores. Isso é quase generalizado. A leitura, no Estado, sofre neste momento”, comenta Lee.

Para Cleudivan Jânio, o trabalho literário no RN tem mérito. “Mas as grandes livrarias não apoiam nem mesmo que os livros dos autores do Estado estejam dentro desses lugares. Eles vendem hoje porque é uma lei municipal para que existam livros de escritores potiguares nessas grandes livrarias”, frisa.

‘A publicação, hoje, é algo muito mais fácil’

Com o avanço da tecnologia, hoje alguns autores já trabalham com o e-book. “A sociedade de hoje é extremamente autoral e os escritores já partem para as novas tecnologias, dentro de uma sociedade ainda mais midiática”, explica Nassary Lee, sem perder a ternura de declarar que, em meio à grande tecnologia, a poesia faz parte de sua vida. “Sempre vi a vida e as coisas com poesia. Muitos poetas falam em dom… sinto que nasci com algo assim, algo diferente, algo que não se aprende na escola, algo que se aprende com o sentir”, fala.

Por outro lado, apesar das dificuldades, Nassary reforça outro aspecto “da vida literária”. “Há muita gente escrevendo. Até mesmo em lugares impensáveis, vemos pessoas dizendo que vão lançar um livro ou que estão trabalhando em algum projeto que envolva a literatura. A publicação, hoje, é algo muito mais fácil”, destaca.

CRÍTICA

Para Vicente Serejo, que fez o prefácio à obra da poetisa, “a poesia de Nassary Lee não cabe no olhar vago e circunstante do leitor temeroso de tentar a caminhada para sua descoberta. De morder esse pão em forma de versos fermentando nas mãos de uma jovem poetisa (…) Os que procuram rimas hão de dizer que seus poemas são modernos e por isso são meros jogos de palavras. Como se as palavras não fossem as pedras do jogo da criação. Muito mais no seu caso, a ferir a candura da alma feminina descarnada de tudo”.

Ele salienta que “é como se a poesia de Nassary Lee tivesse aquele claro enigma drummondiano, entre o lobo e o cão. Feita de coisas figuradas e não-figuradas. Aparentemente reais e irreais, mas, sobretudo, de adornos que são verdadeiras iluminuras numa bem-urdida renascença poética. Leitora de Umberco Eco, ela acredita e tenta com o destemor de quem não teme entregar ao leitor em múltiplas escolhas o que deseja dizer. Vencedora de vários concursos literários, e com poemas já incluídos em antologias nacionais, Nassary Lee chega ao seu primeiro livro sem fazer da poesia uma máquina de rimar. Chega com as credenciais de uma verdadeira poetisa. Poetizando. Com a chama encantada dos seus versos, a faca e a lâmina luzindo nos becos e nos sonhos de uma grande poesia”.

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