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sábado, 27 de julho de 2013

O FUTURO ESTÁ EM SUAS MÃOS: Algumas manifestações nas ruas do Brasil, apesar de extremamente contundentes, parecem não ser ouvidas por ninguém

Enquanto analistas de alta e baixa plumagens tentam decifrar, entre alarmados, esperançosos e assustados, os fenômenos de massa que varrem o Brasil, há uma outra espécie de manifestação igualmente crescendo e se alastrando pelas ruas da nação. Menos barulhenta, mas infinitamente mais assustadora e doída do que a mais estridente e agressiva passeata. Em vez de bandeiras, cobertores toscos cor de asfalto nas costas. No lugar de máscaras de personagens de filmes estrangeiros, rostos que lembram máscaras mortuárias. No lugar das placas, cachimbos, isqueiros, pedras e fósforos em mãos queimadas, rasgadas e acostumadas a destruir os próprios corpos em que estão coladas.


Alessio Ortu, 32 anos, veio morar no Brasil em 2009 por causa da sua namorada brasileira. Chegando em São Paulo, o fotógrafo italiano, que sempre se interessou por pessoas à margem da sociedade, descobriu a Cracolândia. A grande concentração de pessoas em estado degradante o impressionou muito. Ortu arranjou coragem e se pôs a registrar o dia a dia nefasto do lugar. O diretor de cinema Humberto Bassanelli registrou suas andanças e esforços no contato e registro dos viciados durante um ano. O resultado é o filme “Simulacrum Praecipitii – a Visão do Abismo”, que estreou no festival de filmes documentários É Tudo Verdade este ano em São Paulo, participou do Fica (Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental) na Cidade de Goiás e foi classificado para o Festival de Gramado 2013, em agosto.

Uma exposição de suas fotos está prevista para setembro no Palácio da Justiça de São Paulo.

Desde que começou a registrar a Cracolândia, Alessio diz que só viu o problema se intensificar. Nas últimas vezes em que esteve por lá se impressionou com o aumento expressivo do número de crianças. Por isso, quer continuar a fotografar a região, na esperança que o registro, possa sensibilizar alguém, esteja ele do lado de cá, esteja ele do lado de lá das passeatas contra a gestão cafajeste que assola o Brasil.

Abaixo, trecho da entrevista concedida pelo fotógrafo à jornalista Lia Hama:

Como você abordava os craqueiros?
Saía andando em busca deles. Era preciso rapidez, porque são como fantasmas. Você se distrai um segundo e eles somem. Tem de ficar ligado porque, a alguns metros, ficam centenas de outros craqueiros. Não são todos bonzinhos, há criminosos e traficantes. Tem bastante tensão envolvida, é uma energia pesada.

Seu trabalho se concentra nas mãos dos personagens. Por quê?
As mãos documentam a ruína dessas pessoas. É por meio das mãos que chegam àquele estado de desgraça, preparam a droga, pedem dinheiro. As mãos são queimadas pela manipulação de isqueiros e cachimbos quentes e são sujas, porque muitos procuram comida no lixo, dormem no chão e catam material reciclável para sobreviver.

Qual história mais o impressionou?
A do Jonatas, um menino cego que mora na rua e usa crack. Ele pede dinheiro no farol e só consegue sobreviver graças à ajuda de outros craqueiros, que o auxiliam nas operações cotidianas, inclusive a fumar pedra. Ele apareceu do nada enquanto eu estava fotografando outro cara, o Gerson. Jonatas estava com os olhos sujos e Gerson pegou sua própria camiseta e os limpou com ela. Foi uma cena que me mostrou como, mesmo nessa condição miserável de degradação total, de dependência química arrasadora, ainda existe espaço para calor humano, generosidade, companheirismo.

Paulo Lima-ISTO É
A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente
Fotos: ALESSIO ORTU


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