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terça-feira, 22 de maio de 2012

CNJ decide por processo disciplinar


Isaac Lira - enviado especial a Brasília-TN on line
Foto: Luiz Filgueira

Os membros do Conselho Nacional de Justiça não foram convencidos pela tese das defesas de Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro e abriram ontem à tarde um procedimento disciplinar para decidir se os desembargadores cometeram ou não irregularidades à frente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Apesar dos pedidos de arquivamento da proposta de abertura do procedimento, onze dos 12 conselheiros seguiram o voto da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, pela abertura de processo e afastamento administrativo dos investigados. Os dois já haviam sido afastados pelo Superior Tribunal de Justiça.
Trata-se de mais uma frente de investigação acerca dos desvios ocorridos no âmbito do Tribunal de Justiça. Além do STJ, o Conselho Nacional de Justiça se ocupará, a partir de então, de apurar a conduta dos dois desembargadores. Uma portaria será publicada nos próximos dias para oficializar a abertura do procedimento e logo depois haverá o sorteio do conselheiro relator. Não necessariamente o procedimento ficará nas mãos da ministra Eliana Calmon, que conduziu o processo até então. As duas frentes - no STJ e no CNJ - têm características distintas, tanto na forma como o trabalho é processado como nas possíveis consequências práticas desse trabalho.

Na teoria, o procedimento em curso no STJ é, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, "mais grave". Caso o inquérito judicial daquela corte seja transformado em ação penal, os desembargadores podem, caso condenados, ser até presos. No caso do CNJ, a pena máxima é a aposentadoria compulsória, também em caso de condenação. Contudo, o Conselho deve finalizar a apuração em até seis meses e está apto a considerar irregularidades até agora fora da área de alcance do STJ, como a improbidade administrativa. Em outras palavras, mesmo que não fique comprovada a participação na fraude, os desembargadores podem sofrer sanções por negligência e omissão.

As palavras da ministra Eliana Calmon (foto) foram nesse sentido. Segundo a corregedora, mesmo que seja prematuro falar em participação em crimes, é possível concluir que houve "pelo menos uma absoluta falta de preocupação com a organização do Tribunal". Admitindo-se, como diz a defesa, que os desembargadores assinaram cheques e ofícios para laranjas sem saber, existe abertura para se considerar a conduta dos dois como "improbidade administrativa". "Há o indicativo de desvios funcionais. Um desembargador presidente de Tribunal de Justiça não é um mero assinador de papel", concluiu.

Com palavras tão contundentes, para não dizer simplesmente "duras", os demais conselheiros se manifestaram. À exceção do juiz federal Silvio Rocha, que votou por uma abertura de sindicância, processo mais "brando" para os investigados, os demais acompanharam o voto da relatora, ressaltando a possibilidade de se comprovar a participação em fraudes. "Fortes indícios", "elementos graves", "documentos comprobatórios", foram algumas da expressões que os conselheiros usaram para se referir aos fatos relatados por Eliana Calmon.

No fim, o Conselho Nacional de Justiça ressaltou a necessidade de abrir espaço para "ampla defesa" dos dois acusados e decidiu por afastá-los e investigá-los principalmente pela "demasiada exposição da magistratura" ocorrida com o escândalo dos precatórios e para "preservar o poder judiciário" da desconfiança da população potiguar, que adviria com a continuidade de Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro na corte potiguar, como frisou a ministra Eliana Calmon. "Não é crível achar razoável que um presidente justifique a sua atuação com a suposta confiança depositada em uma funcionária. Ao magistrado, exige-se prudência", finalizou.

Alvo da defesa é a acareação de Carla e desembargadores

O resultado da sessão do CNJ de ontem à tarde não chegou a surpreender a defesa dos desembargadores. Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro não compareceram ao Conselho, sendo representados por seus advogados, Armando Holanda e Boris Trindade, respectivamente. Os dois apresentaram oralmente a defesa por 10 minutos cada. Eles insistiram na tese de que seriam nulos os atos da comissão interna do Tribunal de Justiça, por conta da suposta ocorrência de diversos vícios no âmbito da comissão. Entre os vários pedidos ao colegiado do Conselho, estavam o arquivamento do processo e a remessa de volta ao Tribunal de Justiça para novas diligências, como a perícia nos documentos assinados pelos desembargadores. Todos negados.

Contudo, segundo Armando Holanda, a postura da defesa não irá mudar. O laudo grafotécnico ainda é considerado um trunfo para inocentar Osvaldo Cruz. Durante a sessão, Holanda citou a perícia, já anexada ao processo, ressaltando que se trata de um documento particular. "Não tenho poderes para determinar perícia oficial, junto à Polícia Federal", justificou. A expectativa é que se proceda com o laudo oficial por parte da Justiça e fique provado que as assinaturas foram falsificadas. Isso derrubaria de uma vez por todas as hipóteses de peculato e de improbidade administrativa.

Outra medida já protocolada no CNJ é o pedido de acareação entre Carla Ubarana e os desembargadores. "Já peticionei aqui no CNJ e peticionarei no STJ no momento oportuno", disse Armando Holanda, ao final da sessão no Conselho Nacional de Justiça.

Um fato até então desconhecido e abordado durante a sessão foi a réplica do Tribunal de Justiça à defesa de Osvaldo Cruz, que foi divulgada pela imprensa local. Poucos dias depois da divulgação do documento, o TJRN enviou uma contra-argumentação.

Entre os argumentos citados pelo documento assinado pela presidente do TJRN, Judite Nunes, está a possibilidade de criar comissão sem anuência prévia do plenário, e a desembargadora utilizou para isso vários exemplos de comissões criadas pelos próprios Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro. Além disso, Judite Nunes defendeu a nomeação do desembargador Caio Alencar para presidente da comissão interna que apura os desvios.

Ayres Brito sugere magistrados para os setores

Entre os desdobramentos da sessão plenária do CNJ, está a recomendação para que todos os tribunais nomeiem magistrados auxiliares para "tomarem conta" dos setores de precatórios. Ao finalizar a sessão, o presidente do Conselho, ministro Carlos Ayres Brito, sugeriu a recomendação: "Façamos a recomendação e se não houver efeito poderemos determinar a existência da figura do magistrado a posteriori", vaticinou Ayres Brito. A situação do Rio Grande do Norte foi tomada como paradigmática pelo colegiado.

O presidente do CNJ, antes de propor a recomendação, relembrou que a descoberta das fraudes no setor de precatórios se deu a partir da atuação de um juiz auxiliar. Trata-se de Luiz Alberto Dantas, juiz da Fazenda Pública e desde o início da gestão da desembargadora Judite Nunes atua comoauxiliar. Foi Luiz Alberto o primeiro a perceber que as atitudes de Carla Ubarana eram suspeitas. "Louvo e cumprimento a atitude do juiz auxiliar Luiz Alberto Dantas. Uma situação como essa é uma prova de que a presença do magistrado é fundamental", disse Carlos Ayres Brito.

A ministra Eliana Calmon acrescentou que já é recomendação da Corregedoria Nacional de Justiça a delegação, por parte da presidência de cada Tribunal, de um juiz ou desembargador que possa gerir o setor de precatórios. Além disso, existe a determinação de que o servidor responsável pela secretaria do setor de precatórios seja de carreira, e não comissionado.

Processo

A abertura do procedimento disciplinar contra Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro é mais um desdobramento do trabalho iniciado ainda em janeiro. A ministra Eliana Calmon foi primeira a falar no julgamento do caso dos precatórios e fez um relato pormenorizado da cronologia dos fatos que desembocaram na Operação Judas e na investigação acerca dos dois desembargados. O processo do tribunal potiguar aliás foi apreciado com "urgência" pelo Conselho. Mesmo estando com o número 123 dos pouco mais de 130 processos existentes foi o primeiro a ser visto pelos conselheiros. A discussão durou três horas. Eliana Calmon começou sua fala relembrando como as suspeitas sobre o setor começaram, a partir do trabalho do juiz auxiliar Luiz Alberto Dantas quee remeteu o conteúdo ao Ministério Público Estadual. Na primeira fase, houve a Operação Judas, que prendeu Carla Ubarana, George Leal e mais cinco laranjas usados para sacar o dinheiro dos desvios.

Dois meses depois Carla e George, que até então tinham se mantido calados, firmam a delação premiada e apontam os dois desembargadores afastados como co-participantes do esquema de desvios nos precatórios. Todo o material é remetido para a Procuradoria Geral da República, que entrou com a representação para afastar Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro. Os dois foram afastados e passaram a responder no STJ um inquérito judicial. Com a decisão do Conselho, os acusados terão outro processo com o qual se preocupar daqui para frente.

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